Ficha Limpa: Impedí-los ou aceitá-los? Eis a questão!

Mais uma vez, está aberta a nova dúvida jurídica: a Lei Complementar 135/10, legislação de alteração da Lei Complementar 64/90, tem sua vigência imediata ou deve se submeter ao princípio da anualidade eleitoral (artigo 16 da Constituição Federal)?

O artigo em comento vaticina o seguinte:

Art. 16, CF. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 4, de 1993)

Ora, mas o que se compreende por "processo eleitoral" e ainda, as condições de elegibilidade estão incluídas nesse conceito?

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), processo eleitoral é, em suma, o "conjunto de atos abrangendo a preparação e a realização das eleições, incluindo a apuração dos votos e a diplomação dos eleitos."

E ainda, o Supremo Tribunal Federal (STF), em mais um de seus julgamentos célebres, definiu assim o artigo 16:

"PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ANTERIORIDADE ELEITORAL: SIGNIFICADO DA LOCUÇÃO “PROCESSO ELEITORAL” (CF, ART. 16).

- A norma consubstanciada no art. 16 da Constituição da República, que consagra o postulado da anterioridade eleitoral (cujo precípuo destinatário é o Poder Legislativo), vincula-se, em seu sentido teleológico, à finalidade ético-jurídica de obstar a deformação do processo eleitoral mediante modificações que, casuisticamente introduzidas pelo Parlamento, culminem por romper a necessária igualdade de participação dos que nele atuam como protagonistas relevantes (partidos políticos e candidatos), vulnerando-lhes, com inovações abruptamente estabelecidas, a garantia básica de igual competitividade que deve sempre prevalecer nas disputas eleitorais. Precedentes.

- O processo eleitoral, que constitui sucessão ordenada de atos e estágios causalmente vinculados entre si, supõe, em função dos objetivos que lhe são inerentes, a sua integral submissão a uma disciplina jurídica que, ao discriminar os momentos que o compõem, indica as fases em que ele se desenvolve: (a) fase pré-eleitoral, que, iniciando-se com a realização das convenções partidárias e a escolha de candidaturas, estende-se até a propaganda eleitoral respectiva; (b) fase eleitoral propriamente dita, que compreende o início, a realização e o encerramento da votação e (c) fase pós-eleitoral, que principia com a apuração e contagem de votos e termina com a diplomação dos candidatos eleitos, bem assim dos seus respectivos suplentes."

Assim, se podemos definir o "processo eleitoral" em "sucessão ordenada de atos e estágios causalmente vinculados entre si" e ainda, que se desenvolvem em:

"(a) fase pré-eleitoral, que, iniciando-se com a realização das convenções partidárias e a escolha de candidaturas, estende-se até a propaganda eleitoral respectiva";

"(b) fase eleitoral propriamente dita, que compreende o início, a realização e o encerramento da votação"; e

"(c) fase pós-eleitoral, que principia com a apuração e contagem de votos e termina com a diplomação dos candidatos eleitos, bem assim dos seus respectivos suplentes".

A Resolução 23.221, de 02.03.2010, do TSE, em seu artigo 19 definiu a seguinte determinação: "os partidos políticos e as coligações solicitarão aos Tribunais Eleitorais o registro de seus candidatos até as 19 horas do dia 5 de julho de 2010" (artigo 11, "caput", da Lei nº 9.504/97).

E ainda, antes disso, devem os partidos políticos, através de convenções (partidárias), deverão do dia 10 a 30 de junho, deliberar acerca da escolha de seus candidatos e formação de coligações (artigo 8º da Resolução 23.221/10 do TSE c/c artigos 7º e 8º, ambos da Lei nº 9.504/97).

Ainda, artigo 26, §7º:

"As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao pedido que afastem a inelegibilidade" (artigo 11, § 10, da Lei nº 9.504/97).

Mais tarde, quando da diplomação, poderá ser impugnada quando:

Art. 262 do Código Eleitoral (Lei 4737/65). O recurso contra expedição de diploma caberá somente nos seguintes casos:
I - inelegibilidade ou incompatibilidade de candidato;

(...)

Assim, a partir dessas premissas, é possível perceber que a condição de elegibilidade é requisito (objetivo) tanto na fase pré-eleitoral, quanto na fase pós-eleitoral, ou seja, a condição de inelegibilidade pré-existente ou superveniente, pode ser arguida nas duas fases, portanto, fazendo parte do dito "processo eleitoral".

Em 04 de junho de 2010, sob fortíssima pressão popular, é promulgada a chamada "Lei da Ficha Limpa", introduzindo fortes alterações na LC 64/90. Mas será que é possível sua aplicação?

Vi, li e ouvi, por aí que a questão é "simples":

(a) não se trata de questão penal, portanto, não se sujeita ao princípio da retroatividade do artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal - "a lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu", cuja aplicação somente se dá no âmbito criminal.

(b) aduzem que a lei alteradora não se sujeita ao princípio da anuidade eleitoral, uma vez que é norma aplicavél a todos os candidatos, não havendo discriminações pontuais.

(c) que a condição de elegibilidade é norma constitucional, já estando prevista na própria Constituição suas hipóteses; a Lei Complementar está apenas esclarecendo o dispositivo constitucional.

Em que pese os entendimentos empossados, ouço divergir!

Ora, se há o princípio constitucional da anuidade eleitoral, por óbvio, há de ser cumprido em seu inteiro teor.

Como citado acima, a condição de elegibilidade está inserida dentre os procedimentos eleitorais, seja na fase pré-eleitoral, seja na fase pós-eleitoral.

Ainda, a Lei Complementar, embora sua aplicação esteja ocorrendo na seara eleitoral, trás em si várias disposições equiparadas à penais (de sanção), sendo modificação in pejus. Por tal motivo, não pretendo ver aplicado os dispositivos constitucionais inerentes à Lei Penal, mas há de se lembrar, que seus reflexos devem ser estendidos, uma vez que funcionam como "freio" ao Poder Estatal em ofender os princípios mais básicos do cidadão.

Outrossim, por mais que sejam eles ignorados, não devemos esquecer o princípio da anuidade, insculpido no artigo 16 da CF.

A Lei foi promulgada dia 04 de junho, entrando em vigor no dia de sua publicação que ocorreu no dia 07, ou seja, quando os partidos estavam quase se reunindo para deliberar acerca de seus candidatos e coligações.

Se havia pretensão em impedir a inelegibilidade dos candidatos que se enquadram na "atual" Lei Complementar, deveriam ter se preocupado em organizar, incluir em pauta e votar no ano passado, para que assim fosse respeitado o prazo eleitoral.

É inegável a alteração provocada pela LC 135/10, vulnerando o artigo 16 da CF, ferindo a segurança jurídica.

Assim, se o artigo 16 da CF busca a "finalidade ético-jurídica de obstar a deformação do processo eleitoral mediante modificações que, casuisticamente introduzidas pelo Parlamento, culminem por romper a necessária igualdade de participação dos que nele atuam como protagonistas relevantes (partidos políticos e candidatos), vulnerando-lhes, com inovações abruptamente estabelecidas", tal finalidade deve ser buscada e aplicada.

Não defendo políticos ímprobos, não estou advogando contra a moralidade, porém, aceitar afronta aos princípios constitucionais não devem ser aceitos e ainda, devem ser alertado a sua vulneração.

Ainda, a "opinião pública" não deve servir obstáculo ao jurista que pretende expor seu pensamento.

Como cidadão, gostaria muito que fosse aplicada a novel norma, porém, como jurista, devo-me abster a este entendimento, excluindo o "achismo" e aplicando a Lei.

Por fim, só tenho uma consideração a fazer:

"o direito não socorre quem dorme" - promulgação tardia, efeitos tardios... se esperávamos [?] 16 anos por tal disposição [?], por que só agora?! a Constituição Federal não é clara, não é objetiva, não é simples... se a hermenêutica jurídica é uma prática tão simples, tão fácil, então que fechemos os cursos de Direito e vamos fazer outro curso!

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